Rosa Fernández é uma alpinista asturiana que dedicou toda a vida aos desportos de aventura, especialmente àqueles em que a superação pessoal é fundamental, como a escalada. Graças a este desporto, conseguiu conquistar o Everest e concluiu o projeto "Os Sete Cumes", onde escalou as sete montanhas mais altas do mundo.
Mas não deixa de lado outras práticas como o BTT, com o qual percorreu a cordilheira do Himalaia, superando assim um desafio pessoal. Escreveu dois livros e ainda pensa em novos desafios, pois, com a alta médica em mãos, planeia regressar ao Himalaia. Desejamos-lhe toda a sorte do mundo na sua próxima aventura.

Yumping.- De pura estirpe asturiana, cresceste rodeada de montanhas. Conta-nos, quando começaste a praticar alpinismo?
Rosa Fernández.- Sim, nasci numa pequena aldeia de montanha. Comecei a praticar alpinismo com o meu marido e amigos. As minhas primeiras montanhas foram os Picos de Europa nos anos oitenta.
Y.- Quando decidiste dedicar-te aos desportos de montanha, recebeste o apoio da tua família?
R.F.- Sim, sempre pude contar com o seu apoio, embora nunca tenham gostado muito.
Y.- Como começaram os teus treinos?
R.F.- Sempre pratiquei desporto por hobby, mas o que fiz foi dedicar mais horas à montanha e concentrar-me em melhorar a minha condição física para aguentar marchas de muitas horas e dias consecutivos.
Y.- Em 1997, fizeste a tua primeira expedição ao Himalaia. Lembras-te como foi o planeamento?
R.F.- Lembro-me que eram sete rapazes e queriam incluir uma mulher no grupo para facilitar a obtenção de patrocínios. Curiosamente, falaram primeiro com o meu marido, que achou boa ideia, e depois convidaram-me. Tinha escalado o Matterhorn em '96, o que me deu alguma notoriedade. Alguns deles já tinham estado no Himalaia.
Tudo foi muito natural, espontâneo e cheio de dúvidas; demorámos meses a organizar-nos e a preparar tudo. Era tudo tão novo para mim e acabou por ser tão gratificante que fiquei fascinada pelas grandes montanhas. Correu tudo muito bem.

Y.- Quando chegaste ao cume, qual foi o primeiro pensamento que te veio à cabeça?
R.F.- Estava feliz e tranquila, a paisagem era incrível, com um dia de sol e um céu azul profundo. Sentia-me tão bem que não queria descer. Pensei que aquela experiência se repetiria e, quanto antes, melhor. Naquela época, as comunicações não eram como hoje e só dez dias depois pudemos dar a notícia do nosso sucesso às famílias, que não sabiam nada de nós durante semanas.
Y.- Já percorreste vários locais e escalaste inúmeras montanhas: Gasherbrum II, Shisha Pagma, Dhaulagiri, o Everest... Qual foi o lugar que mais te surpreendeu?
R.F.- O Himalaia não tem comparação com nenhum outro lugar, e o Everest é a montanha que tem tudo: a mais completa, a mais bonita (pelo menos para mim), e apesar de já esperar isso, não me desiludiu.
Mas todas as montanhas são bonitas e têm a sua personalidade. Talvez a Pirâmide de Carstenz, na ilha da Papua Nova Guiné, me tenha surpreendido. Lindíssima e remota; depois de uma viagem às antípodas, encontro características muito semelhantes aos nossos Picos de Europa, mas com o dobro da altitude. Um local incrível, embora a dificuldade de acesso o torne quase impossível para os alpinistas.
Y.- Sendo alpinista, porque decidiste atravessar a cordilheira do Himalaia de bicicleta?
R.F.- O meu marido, que além de me contagiar com o bichinho das montanhas, também me iniciou no BTT; além disso, temos uma loja de bicicletas e eu sabia que era possível fazer Lhasa-Katmandu de bicicleta e ver a face norte do Everest. Ele promoveu essa aventura em 2002 e acabei por ser eu a realizá-la, pois queria ver o Everest e já há anos procurava uma forma de lá ir escalar. Acabei por ir em 2003. Repeti o percurso de bicicleta em 2007.
Y.- O desafio "Sete Cumes" foi um marco na tua carreira. Como surgiu a ideia?
R.F.- Em 2005, cheguei ao cume do Everest e estava num momento favorável para obter financiamento, pois os Sete Cumes exigem um custo elevado num curto espaço de tempo. A minha vantagem era que ia sozinha e os gastos eram apenas para uma pessoa. Mesmo assim, quando chegou a hora de ir à Antártida, todo o meu esforço quase se perdeu porque não tinha orçamento suficiente.

Consegui. Fiz as sete montanhas em menos de dois anos, organizando tudo sozinha, desde os voos até ao planeamento de cada viagem. Para mim, era uma grande alegria chegar ao pé de cada montanha, pois ali dependia apenas de mim. O mais stressante era a logística desde as Astúrias até ao destino.
Y.- Que tipo de treino é necessário para estar à altura das circunstâncias?
R.F.- É preciso um treino constante e duro, que ajude na resistência física e a estar preparado para qualquer clima, para caminhar e escalar de dia ou de noite, com frio, tempestades ou neve. É preciso habituar-se a tudo. E, acima de tudo, é essencial treino mental: paciência, saber esperar pelas condições certas, não arriscar mais do que o necessário e proteger-se.
Com o tempo, percebi que a força mental é a qualidade mais necessária. Já vi alpinistas fortes como os melhores atletas perderem a calma e desistirem, às vezes quase sem lutar.
Y.- Atualmente, como é o teu dia a dia como atleta?
R.F.- Treino aeróbico de manhã, principalmente de bicicleta. Ginásio à tarde, para fortalecer zonas específicas, alongamentos e recuperação. Tenho uma lesão no joelho que me impede de correr e tenho de melhorar para a próxima expedição, mas não me preocupa muito, pois após meses de trabalho, está a melhorar.

Y.- Em 2009, foste operada a um cancro da mama. Mesmo assim, decidiste tentar o Broad Peak (8.046m). Foi o desafio mais difícil da tua vida?
R.F.- Foi um DESAFIO em maiúsculas. O importante não era só o cume, era testar-me a mim mesma, ver se a minha força mental estava intacta e se as minhas forças físicas, embora reduzidas, ainda estavam à altura. Foi uma experiência única. Os médicos calcularam o momento certo para uma pausa de dois meses no tratamento, que retomei depois.
Foi também um ano de condições climáticas duras no Karakorum. Não cheguei ao cume, mas não me senti derrotada por mim, mas pela montanha. Acho que ninguém conseguiu o cume nessa temporada. Além disso, uma alpinista italiana com quem partilhava o permissão morreu durante a subida, pouco depois de eu desistir.
Y.- Que mensagem tens para quem, como tu, sofre ou sofreu desta doença?
R.F.- É algo que me preocupa e quero ajudar. Vi muita gente a sofrer no hospital, e muitas vezes a atitude mental é tão má como a dor física. Não podemos deixar a doença vencer, temos de lutar com todas as forças. Cada um tem de lutar consigo mesmo e convencer-se de que é possível vencer. É POSSÍVEL VENCER.

Nem tudo está nos medicamentos. O nosso cérebro é uma arma de luta muito mais poderosa do que imaginamos. Tenho vantagem nisso, pois nas situações extremas do alpinismo, o meu cérebro está mais treinado para enfrentar dificuldades. A minha mensagem é: usa a tua mente e não desistas nem por um momento. Não podemos duvidar que vamos superar.
Y.- Também sabemos que escreveste dois livros. Qual será o teu próximo desafio?
R.F.- O primeiro livro é "O Meu Everest", e o segundo "Na Pele da Alpinista. Os Sete Cumes".
Quero voltar ao Himalaia em 2011 e continuar a fazer coisas de bicicleta.
Y.- Onde te vês daqui a dez anos?
R.F.- Vejo-me como agora, com muitos projetos e pouco tempo para cumprir todas as tarefas pendentes.